Rita
No meio da noite despertei sonhando com minha filha
Rita. Eu a via nitidamente, na graça de seus cinco anos.
Seus cabelos castanhos- a fita azul- o nariz
reto, correto, os olhos de água, o riso fino, engraçado, brusco...
Depois um instante de seriedade; minha filha Rita
encarando a vida sem medo, mas séria, com dignidade.
Rita ouvindo música, vendo campos, mares,
montanhas; ouvindo de seu pai o pouco, o nada que ele sabe das coisas, mas
pegando dele seu jeito de amar- sério, quieto, devagar.
Eu lhe traria cajus amarelos e vermelhos, seus
olhos brilhariam de prazer. Eu lhe ensinaria a palavra cica, e também a amar os
bichos tristes, a anta e a pequena cutia; e o córrego; e a nuvem tangida pela
viração.
Minha filha Rita em meu sonho me sorria- com
pena deste seu pai, que nunca a teve.
Janeiro, 1995
In BRAGA, Rubem. 200 Crônicas escolhidas- As
melhores de Rubem Braga.
Rubem Braga,
considerado por muitos o maior cronista brasileiro desde Machado de Assis,
nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, ES, a 12 de janeiro de 1913.
Segundo o crítico Afrânio Coutinho, a marca registrada dos textos de Rubem Braga é a
"crônica poética, na qual alia um estilo próprio a
um intenso lirismo, provocado pelos acontecimentos cotidianos, pelas paisagens,
pelos estados de alma, pelas pessoas, pela natureza.”.
A crônica de Rubem Braga fala sobre um pai que deseja ter uma filha a
partir de um sonho que teve.
Temos em mãos uma crônica pequena, porém, ampla em conteúdo. Como é lhe
é peculiar, textos desse gênero possui narração curta, produzida essencialmente
para ser veiculada na imprensa, seja nas páginas de uma revista, seja nas
páginas de um jornal. Possui assim uma finalidade utilitária e pré-determinada:
agradar aos leitores dentro de um espaço sempre igual e com a mesma
localização, criando-se assim, no transcurso dos dias ou das semanas, uma
familiaridade entre o escritor e aqueles que o leem.
O Onírico se faz presente em toda crônica, pois, é a partir dele que o
autor narra os fatos comentando como seria a vida do protagonista se o mesmo
tivesse uma filha.
A crônica fala de um pai que ao
ter um sonho se imagina como seria ter uma filha e como poderia ensiná-la as
coisas que todo pai o faz. Esta
ideia do sonho se faz presente na crônica a partir deste trecho: “No meio da noite
despertei sonhando com minha filha Rita. Eu a via nitidamente, na graça de seus
cinco anos” e neste segundo trecho: “ Minha filha em meu sonho me sorria- com
pena deste seu pai, que nunca a teve”.
Podemos perceber também que Rubem Braga quebrou a tradição de só as
mulheres poderem sonhar em ter filhos. Neste conto, observa-se um personagem que
quer ter um filho sendo este personagem um homem e não uma mulher como é
comum lermos. A Narrativa é simples, fazendo com que o leitor compreenda claramente
o que lê.
Esta crônica nos deixa a reflexão de que o sonho vira pesadelo quando nos
despertamos dele ao acordar.
Por: Jhonata Teixeirão
Adoro esta cronica.Me identifico com ela.
ResponderExcluirRelendo "Rita" tive a impressão que Rubem quase teve esse filha, sei lá, que Rita seria uma filha que a esposa de Braga havia perdido. Uma crônica que parece bonitinha, porém profunda!
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